Texto de Juliana Dantas, jornalista e apresentadora do Finitude Podcast, sobre o documentário ‘Vida aos Dias’, da estudante de jornalismo, Milena Flor Tomé.

Um homem branco, calvo, de barba totalmente branca. Deitado ou numa cadeira de rodas. Certamente passou dos 60 anos. Talvez dos 70.

Pela aferição do senso comum, diríamos que é um senhorzinho, um velhinho, um vovozinho. Alguém fofinho, que merece os nossos olhares mais condescendentes. 

Mas Palmério Dória é um falso cognato. É como se ele fosse uma palavra escrita em outro idioma, com grafia parecida com a do Português, mas que tem um significado completamente diferente. Não é avô. Sequer é pai. Não acredita nos deuses, mas acredita em gente. 

É comum escorregar em falsos cognatos. Mas é mais frequente que a gente escorregue no senso comum. Especialmente aquele que reduz qualquer pessoa envelhecida ou adoecida a uma coisa só.

Palmério desliza em perguntas objetivas e sabe ser lancinante diante do subjetivo.

Se permite ao alívio do contraditório. Firme, mas de sorriso fácil, impõe ao interlocutor um jogo de esconde. Um bem humorado – e nem sempre confortável – jogo de esconde. 

Na bagagem, décadas de jornalismo, uma coleção de publicações em jornais e revistas, viagens literais e metafóricas, dias e noites sem fim. Absorto em meio a livros que contam mais histórias do que seus próprios conteúdos, a quadros que contêm mais do que meramente ilustrações e a um universo inteiro que se abre numa tela de laptop, Palmério vive. Palmério vive e reporta. Palmério vive e é quem sempre foi.

A existência de Palmério Dória resume os cuidados paliativos: são para viver e não para morrer. São para dar mais “Vida aos Dias”, nome do curta documental de autoria de Milena Flor Tomé. “Em busca do extraordinário da vida à beira de um leito de um hospital de cuidados paliativos”, é o extraordinário que ela encontra.

Ela encontra um Senhor Jornalista – e não um jornalista senhor.

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Juliana Dantas é jornalista, locutora e apresentadora do podcast Finitude. É uma das sócias-fundadoras da Rádio Guarda-Chuva. Foi indicada ao Prêmio Comunique-se 2021 e é uma das 25 jornalistas do Prêmio Einstein +Admirados da Imprensa de Saúde, Ciência e Bem-estar, tanto em 2021 quanto em 2022. Juliana assina o roteiro do documentário Esquina do Mundo. Passou pelas redações da TV Gazeta, da Record News, da Rádio BandNews FM, foi editora e voz-padrão da Brasil Radio, de Orlando, e coordenou o Jornalismo da Alpha FM. Se dedica especialmente aos estudos de envelhecimento, saúde mental, cuidados paliativos, morte e luto.

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