Estudo publicado na revista The Lancet estima que os distúrbios depressivos e de ansiedade aumentaram 35% e 32%, respectivamente, em 2020 na América Latina e no Caribe devido à pandemia de Covid-19. A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera que a pandemia criou uma crise global na saúde mental, estimando que houve um aumento de 25% nos casos de ansiedade e depressão em 2020 em todo o mundo.

Para Manuela Salman, médica especializada em Psiquiatria, para pensar em saúde como um todo é fundamental pensar também em saúde mental. “Trabalhamos e confiamos no conceito de saúde ampliado, baseado na Organização Mundial da Saúde (OMS), em que olhar para a saúde não é só pensar na ausência de doenças ou na saúde do corpo físico, é também considerar um bem-estar físico e psíquico-emocional, identificando outras dimensões da vida que também impactam na nossa saúde, em especial, na saúde mental”.

Não é possível pensar em saúde integrada sem considerar a saúde mental.  “Saúde mental não é só para aquela pessoa que tem um adoecimento mental, é também algo que faz parte deste bem-estar, dessa qualidade de vida, num processo de autoconhecimento, de olhar para si”, afirma Camila Marques, psicóloga do Hospital Premier.

Saúde mental pode ser entendida como um estado de bem-estar mental que permite às pessoas lidarem com os momentos estressantes da vida, desenvolverem plenamente suas habilidades, serem capazes de aprender e trabalhar bem e contribuírem com a sua comunidade. Neste sentido, a saúde mental é um direito humano fundamental.

Estigma social

“Existe ainda muito estigma, tanto ao falar de saúde mental, quanto de informar sobre todas as temáticas que envolvem este processo”, alerta Camila.

Neste contexto, entende-se como estigma social a forte desaprovação de características ou crenças pessoais que vão contra normas culturais pré-estabelecidas como padrões.

De acordo com a psicóloga, parte das pessoas busca ajuda profissional apenas quando as consequências das condições psíquicas (doenças ou não) atingem o limite, com um nível de sofrimento intenso, impactando suas rotinas e ações do dia a dia.

“Quando você oferece esses cuidados, nem sempre as pessoas recebem isso bem, porque estão presas a este estigma social que diz que devemos ser fortes, controlados e caber dentro de padrões esperados socialmente. Então as pessoas passam a vida toda com medo de ser rotuladas como alguém que tem um diagnóstico”, afirma Camila.

Cuidando de quem cuida

Manuela, que coordena a equipe de saúde mental do Hospital Premier, instituição especializada em Cuidados Paliativos, reforça a necessidade de cuidar de todo o ambiente hospitalar, desde a atenção aos pacientes e familiares submetidos aos cuidados prolongados, até as equipes que integram e ofertam esses cuidados.

O Premier promove, constantemente, ações que valorizam, reconhecem e promovem bem-estar entre colaboradores e equipe, como o projeto Hora Lúdica. A atividade, planejada em 2017,  visa integrar a equipe e nutrir maneiras positivas de enxergar o outro. Além disso, é uma ferramenta de combate à Síndrome do Esgotamento Profissional, conhecida como Burnout. Conduzidas pelo músico e antropólogo Emiliano Castro, as intervenções têm como base o método O Passo, criado em 1996 pelo músico e educador Lucas Ciavatta.

No Dia Mundial de Cuidados Paliativos (8/10), o Hospital promoveu um almoço de confraternização. “Valorizamos aqui a hierarquia do saber, não só do saber acadêmico ou de formação, mas um saber pela experiência, de coração, das mãos… Por isso temos encontros e momentos, não raros, de trocas e integração entre funcionários sem olhar para hierarquias, e isso também colabora para o bem-estar psíquico-emocional”, completa Manuela.

Pacientes e famílias

Aos pacientes que estão submetidos aos cuidados prolongados, Camila considera a importância do reconhecimento de cada pessoa como um ser humano carregado de história e repertório de vida, por isso enfatiza a necessidade do estabelecimento de vínculos de afeto, de acolhimento e da criação conjunta de limites.

Pensando no atendimento que é realizado com estes pacientes e suas famílias, o Hospital Premier cumpre à risca aquilo que é um dos princípios fundantes dos Cuidados Paliativos, “que é de olhar, estar atento e intervir nas questões emocionais e psicológicas dos pacientes e cuidadores que os acompanham”, enfatiza Camila.

Segundo ela, as práticas que operam no hospital vão além dos cuidados primários, vão de encontro também à produção de conhecimento e promoção de mudanças culturais. “Trabalhamos com sensibilização, em prol de uma mudança de cultura, tanto na atenção e cuidado com os pacientes, quanto em diálogo com familiares e equipes que estão conosco.”

Cada paciente é visto em sua singularidade. “Quando falamos isso, estamos falando que cada um, ou cada família, tem valores, identidades e costumes diferentes, que o cuidado precisa ser individualizado, mas que pra tudo tem uma repercussão. Estamos falando de sentimentos, de emoção, de história de vida. Então, aqui, a Psicologia não atua só numa problemática psíquica-emocional, mas também em reconhecer estas dinâmicas, tentar traduzir estas linguagens de comunicação para a equipe e, às vezes, até atuar nos momentos de conflito, que são naturais diante de questões de sofrimento”, afirma Camila, reconhecendo que o papel dos profissionais de saúde mental vão além do tratamento convencional direcionado à doença.

Com isso, completa que “a saúde mental perpassa por tudo, desde o acompanhamento da reação a um diagnóstico até a tomada de uma decisão e de discussões bioéticas. Em tudo estão envolvidos os aspectos de saúde mental das pessoas: que recursos elas têm para enfrentar aquele momento, aquela decisão, seguir com aqueles cuidados, identificar riscos em saúde mental, qual o encaminhamento mais adequado etc.”

Luto

Um dos temas centrais do Dia Mundial de Cuidados Paliativos de 2022 é o luto. E quando falamos sobre saúde mental, precisamos olhar também para essa questão, sobretudo em um contexto pós-pandêmico em que a situação tornou-se algo coletivo em grandes proporções.

“Algo que é muito comum na sociedade é ouvir e dizer: você precisa ser forte, você tem que superar isso, você não pode ficar assim”, destaca Manuela referindo-se aos processos de luto.

Para ela, a sociedade sequer tem um processo natural de reconhecer o sofrimento como parte da vida, o que impacta diretamente na saúde mental. “As pessoas não falam a respeito. Estranho seria se uma pessoa passasse por um processo de luto ou perda e não se sentisse triste. Isso sim é desconectado da realidade. Chorar, ficar triste e reconhecer o sofrimento não é um sinal de fraqueza, é um sinal de humanidade.”

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